domingo, 28 de abril de 2013


De novo no rasto do Lince-ibérico!

Profª Margarida Santos Reis, Centro de Biologia Ambiental da Fac. Ciências de Lisboa
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Recentemente têm vindo a público notícias sugerindo que o lince se teria extinguido em Portugal. Porém, uma equipa da Faculdade de Ciências de Lisboa acaba de reencontrar a espécie no nosso País.
Uma equipa do Centro de Biologia Ambiental, unidade de investigação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, possui agora a prova incontestável de que o lince Ibérico ainda existe em território nacional.

O lince Ibérico (Lynx pardina Temminck, 1824) é o único grande mamífero endémico da Península Ibérica e foi na última década considerado pela União Internacional para a Conservação da Natureza como o felídeo mais ameaçado do mundo (Nowell & Jackson 1996) estando classificado como criticamente em perigo.

Outrora com uma vasta área de distribuição geográfica, tanto em Espanha como em Portugal (Rodriguez e Delibes 1990), no século XX enfrentou o declínio e a área de distribuição foi-se progressivamente restringindo a bolsas populacionais dispersas sobretudo pelo sul da Península com um número estimado de indivíduos muito variável. Pode dizer-se que o lince pagou caro a sua história evolutiva que se traduz numa elevada especialização em termos de habitat (matagal mediterrânico) e presas (o coelho-bravo, Oryctolagus cuniculus) e não se adaptou às novas paisagens geradas pelo homem nem a recursos alimentares alternativos.

As décadas de 40 e 50 foram anos negros para o lince pois sucederam-se as campanhas do trigo, que devastaram vastas áreas de habitat favorável, e a mixomatose, patologia que dizimou as populações de coelho-bravo. Desde então sucederam-se outros desiquilibrios igualmente induzidos pelo homem, como a destruição de outras áreas naturais para plantação de espécies florestais mais rentáveis economicamente (pinheiros e eucaliptos) e a introdução de uma nova patologia (a febre hemorrágica viral) tão drástica para os coelhos como a mixomatose e relativamente à qual tem um efeito cumulativo. Perante este cenário, o lince jamais conseguiu recuperar e nos anos 80 já era notícia a estimativa de apenas 50 indivíduos em território nacional distribuidos de forma desigual pelas áreas da Malcata, Vale do Sado, Contenda-Barrancos e Serras Algarvias (Palma 1980, Castro e Palma 1996).

Apesar deste cenário que já prenunciava uma situação critica para a espécie, apenas nos finais da década de 90 foi assumida a preocupação nacional com a espécie e foi promovida uma avaliação da situação populacional do lince (Programa Liberne – Instituto de Conservação da Natureza). Os resultados dessa avaliação (Ceia et al. 1998), baseada em métodos – inquéritos orais validados e indícios de presença - consensuais no estudo de mamíferos de hábitos elusivos e em situação de baixa densidade (Wilson et al. 1996), vieram confirmar o declínio generalizado da espécie ainda que identificassem outras áreas de ocorrência da espécie para além das já mencionadas (Malcata, São Mamede, Vale do Sado, Vale do Guadiana e Algarve Odemira) e um efectivo populacional dentro do valor proposto por Palma (1980). De ressaltar ainda a estreita ligação de alguns destes núcleos com áreas de ocorrência da espécie em território espanhol (Rodríguez e Delibes 1996).


Mais recentemente, e na sequência dos avanços tecnológicos no domínio da biologia molecular que permitem a identificação da espécie a partir de ADN extraído de amostras fecais, o Instituto de Conservação da Natureza (ICN) apostou nesta nova metodologia e intensificou a recolha de potenciais excrementos no terreno e a respectiva análise (Pires e Fernandes 2001). Os resultados não foram animadores e suscitaram a necessidade de efectuar uma nova avaliação da situação populacional do lince.

Em 2002, e numa acção concertada com a Direção Geral de Conservação da Natureza em Espanha (Guzmán et al. 2002), o Instituto de Conservação da Natureza dá então início a um novo censo-diagnóstico à escala nacional mas em que se considera apenas como métodos rigorosos a análise positiva de excrementos mediante técnicas moleculares e registos fotográficos (“armadilhagem fotográfica”) não sendo dada qualquer relevância a avistamentos de animais vivos ou mortos e baseados numa descrição rigorosa da espécie. Os resultados preliminares deste censo (Sarmento 2002), que envolveu uma equipa de cerca de meia centena de técnicos e vigilantes do ICN e um esforço de 98 954 horas de amostragem nas áreas previamente identificadas como áreas de lince (Ceia et al. 1998), foram apresentados no decurso do Seminário Internacional sobre o Lince Ibérico, que decorreu em Andújar (Jaén, Espanha) entre 29 e 31 de Outubro, e a conclusão foi de que os “métodos utilizados não detectaram um único lince em Portugal” sendo “altamente improvável que ainda existam indivíduos errantes” (Sá 2003).. Este facto, conduziu à morte anunciada do lince sendo mesmo noticiado que perdemos o rasto do lince Ibérico.


Afirmações como estas levam a que seja assumida, prematura e precipitadamente, a extinção da espécie em território nacional, tanto mais que os métodos empregues para detectar uma espécie em tão baixa densidade e de comportamento tão discreto são condição suficiente para provar a sua presença mas não o contrário. Ignorar outros indícios de presença e observações de animais vivos e mortos por terceiros é um erro com consequências gravosas na estratégia de conservação da espécie.
É neste contexto que vem agora a lume este novo dado de que a presença da espécie em território nacional está confirmada precisamente através da identificação molecular de um excremento. Uma equipa de biólogos do Centro de Biologia Ambiental desde há quatro anos que procura evidências da ocorrência da espécie na área de implantação do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva. O projecto, que não se centra apenas no lince mas igualmente em outras espécies de carnívoros ameaçados, tem sido financiado pela Empresa de Desenvolvimento e Infra-Estruturas do Alqueva, S.A. (EDIA, S.A.), e desenvolve-se na área de regolfo (25000ha) da barragem de Alqueva e numa vasta área envolvente (110000ha), distribuindo-se por 15 concelhos do leste alentejano. Esta descoberta não ocorreu na área de regolfo da barragem, mas na área envolvente.

Trata-se de um projecto de monitorização de mamíferos carnívoros no âmbito do Programa de Minimização para o Património Natural e propôs-se acompanhar as diferentes fases de desenvolvimento do Empreendimento de Fins Múltiplos de Alqueva – pré-desmatação, desmatação, enchimento e pós-enchimento – e gerar propostas de minimização de impactes e de gestão ambiental tendo por base a avaliação da situação populacional das diferentes espécies alvo (lince, gato-bravo Felis silvestris, toirão Mustela putorius e lontra Lutra lutra).

Os métodos utilizados para tentar constatar a eventual presença de linces na área de estudo foram a realização de inquéritos orais para localizar avistamentos, a identificação de áreas mais favoráveis em termos de habitat e presas, e a prospecção intensiva do terreno para identificação de indícios de presença, sendo recolhidos para análise molecular os todos os excrementos cujas dimensões e morfologia sugiram que possam ser de indivíduos desta espécie. Dos seis excrementos enviados recentemente para análise molecular no laboratório da Estação Biológica de Doñana (CSIC, Sevilha-Espanha), um revelou-se positivo. Segundo os técnicos do referido laboratório, que se têm responsabilizado pelas análises de ADN de excrementos recolhidos em Espanha e Portugal, incluindo os citados no censo-diagnóstico, a análise foi repetida várias vezes e o resultado foi sempre idêntico – trata-se de um excremento de lince.


Com o presente achado, os esforços de campo desenvolvidos pelos biólogos Joaquim Pedro Ferreira e Iris Pereira numa área de prospecção tão vasta, foram recompensados e é mesmo caso para dizer que foi possível encontrar a agulha que era procurada no palheiro.
O projecto prosseguirá até ao final do corrente ano e a equipa encontrou entretanto outros excrementos que suspeita serem também de lince e que vão de imediato ser enviados para análise molecular. Este resultado positivo vem reforçar outras evidências (pegadas e informações orais) obtidas anteriormente no decurso dos trabalhos e que já apontavam para a ocorrência da espécie na área de estudo (Santos-Reis et al. 2000).


Renasce então a esperança de que ainda vamos a tempo de salvar uma das espécies mais ameaçadas do mundo e mais emblemáticas do nosso património natural, verdadeiro símbolo do matagal mediterrânico. Será que teremos a coragem de enfrentar este desafio e assumir de uma vez por todas as nossas responsabilidades?


Bibliografia

Castro, L. e L. Palma (1996). The current status , distribution and conservation of Iberian lynx in Portugal. . Wildl. Res. 2(1): 179-181.

Ceia, H., L. castro, M. Fernandes e P. Abreu (1998). Lince Ibérico em Portugal. Bases para a sua conservação. Relatório Técnico Final. Programa LIFE. ICN, Lisboa, 190pp.

Guzmán, N., G. Garrote, P. Garcia, R. Pérez de Ayala e M.C. Iglesias (2002). Censo-diagnóstico de las poblaciones de lince Ibérico (Lynx pardinus) en España. 2000-2002. Abstract International Seminar on the Iberian lynx, Andújar – Jaén, Spain (29-31 October 2002).

Nowell, C. e P. Jackson (1996). Wilcats. Status survey and conservation action plan. IUCN/SSC – Cat Specialist Group, Gland, Switzerland, 381pp.

Palma, L. (1980). Sobre a distribuição, ecologia e conservação do lince Ibérico em Portugal. Pp. 569-580 in Actas da I Reunión Ibero-Americana de Zoologia de Vertebrados. La Rábida.

Pires, A.E. e M. Fernandes (2001). Monitorização genética das populações de lince Ibérico.Relatório Técnico (2º Relatório de Progresso), ICN, Lisboa.

Rodríguez, A. e M. Delibes (1990). El lince Ibérico (Lynx pardina) en España. Distribución y problemas de conservación. Collección Técnica, ICONA, Madrid, 116pp.

Sá, A.L. (2003). Um solitário cada vez mais só. National Geographic Portugal. Março 2003.9pp.

Santos-Reis, M., A.T. Cândido, C. Bentes-Grilo, J.P. Ferreira, M.J. Santos, N.M. Pedroso e T. Sales-Luís (2000). Monitorização de carnívoros. Programa de Monitorização do Património Natural de Alqueva. Relatório Final (1ª Fase de Monitorização). Centro de Biologia Ambiental, 39 + anexos.

Sarmento, P. (2002). Status survey of Iberian lynx in Portugal. Abstract International Seminar on the Iberian lynx, Andújar – Jaén, Spain (29-31 October 2002).

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